Tiago Porto

Fonte Saudade


Tiago Porto

Exemplares fonte Saudade
Cartaz

Projeto de Graduação apresentado à Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Design Gráfico.

Dedico esse trabalho aos meus avós maternos que foram de grande importância para minha formação pessoal e que causam ainda grandes momentos de saudade.

Resumo

Esse projeto de graduação consiste, primeiramente, em uma pesquisa sobre a tipografia que visa à formação de uma nova fonte para textos que trabalhe em sintonia com as seguintes propostas: que seja uma fonte que contemple o desenho em suas formas orgânicas e que consiga carregar características próprias da era atual de se produzir tipografia (a era digital), afastando-se da bi-dimensionalidade e conferindo à fonte um caráter nacional, no que diz respeito à sua origem, mas ao mesmo tempo universal, no que diz respeito à sua aplicabilidade. Pelo conjunto de valores agregados à criação de tal tipografia, surge seu nome: saudade.

1. Introdução

1.1 Breve História da Tipografia: do surgimento à atualidade

Desde que o homem passou a ter a necessidade e condições de registrar seu patrimônio cultural, foram utilizados inúmeras maneiras para perpetuar as ideias, os fatos e acontecimentos próprios de cada povo ao longo da história. Para tanto, fazia-se uso de variados instrumentos através de inúmeros suportes. Desta forma, é correto afirmar que o surgimento do registro (ideogramas, signos fonéticos) remonta a um passado distante que antecede, em alguns milênios, ao aparecimento das primeiras formas de produção da tipografia. No entanto, esse princípio não pode e não é negado pela atualidade, já que esses desenhos continuam sendo estudados e aproveitados como matéria-prima para o design tipográfico.

A história da tipografia, contudo, surge junto com os avanços tecnológicos, sendo, por vários momentos, a válvula impulsionadora para o desenvolvimento de tecnologias que dessem conta de suprir as constantes necessidades de adaptar as formas de registrar o momento de acordo com o seu contexto, histórico e cultural. É na Alemanha do século XV que surge a primeira fonte tipográfica, criada por Gutenberg para compor a Bíblia baseada na escrita gótica. Seus caracteres remetiam aos manuscritos, às formas trabalhadas pelos escribas da época. Já no final desse século, a tipografia chega ao norte da Itália e, como foram trazidas pelos impressores alemães, mantinham fortes traços da caligrafia gótica. Foi nesse período que surgiu um dos primeiros tipos romanos mais refinados para a época: Nicolas Jenson cria caracteres com características até então não observadas anteriormente – o contraste suave entre traços finos e grossos com serifas curtas e robustas. A tipografia começa então, a conquistar uma série de avanços ate atingir o século XIII, onde

o design tipográfico impulsionou a evolução da técnica de impressão. Os artesãos responsáveis pelo desenvolvimento dos tipos buscavam a melhor reprodução do seu trabalho, e os tipos com grande contraste entre as hastes dos caracteres, com traços muito finos, só foram possíveis com o aprimoramento dos sistemas de impressão (…). Em alguns momentos ocorreram saltos significativos, com o surgimento de novas técnicas, novas tecnologias e sistemas de produção e reprodução mais ou menos revolucionários. (ROCHA, 2005, p. 14)

Do século XVIII até a contemporaneidade, observa-se, além de mudanças tecnológicas de meios de reprodução tipográfica, movimentos também em relação à forma de pensar, criar e produzir tipografia. Devido ao período atual, denominado ‘era digital’, há um deslocamento da ação dos profissionais de design, que passam também a produzir tipografia.

Antes da era digital, o bloco de texto estava condicionado, e acabava por condicionar o designer-usuário, a uma relação mecânica com mínimas de interferência. Era o reinado das montagens tipográficas e dos paste-ups. Graças ao Macintosh e à tecnologia e à linguagem das impressoras à laser, ocorreu uma guinada de 180 graus no cenário tipográfico. Os designers deixaram de ser simples usuários da tipografia. Passaram a se apropriar livremente código, ao mesmo tempo familiar e inexplorado, e puderam determinar qual direção seguir (…) (ROCHA, 2005, p. 11)

A partir do estudo da trajetória da tipografia foi possível pensar e desenvolver o presente trabalho: a criação de uma nova proposta de tipografia, ancorada no “aqui e agora” em que está sendo produzida, baseada em suas origens (nacionalidade) e visando acompanhar a tecnologia disponível sem desprezar as referências marcantes nesse processo.

2. Problema

Os projetos de novas fontes tipográficas apontam em duas direções: para o passado, com resgate ou a releitura de antigas formas, e para o presente-futuro, em que experiências buscam a ruptura num cenário, num cenário fugaz e modal. (ROCHA, 2005, p. 10).

Como foi explicitado no capítulo de introdução, a cada dia novas propostas de desenhos tipográficos são apresentadas e, consequentemente, a busca por novas ideias para um bom desenho e para uma nova abordagem nesse campo de conhecimento sofrem influência direta da evolução da era digital e das novas possibilidades de se plasmarem formas bidimensionais.

Na contemporaneidade, tipógrafos partiram para um novo caminho em que a forma deixa de ser linear e com isso, passam a buscar contornos mais orgânicos. Desta maneira, as experiências com o bidimensional saem da forma retilínea e concentra-se em formas que atraem mais o olhar, com o uso de contornos e curvas com formas irregulares.

O problema central do presente projeto é o desenvolvimento de uma fonte tipográfica para leitura com um refinado estilo das formas, seguindo um caminho orgânico e suave das curvas. Além de destacar as possibilidades e nuances que uma fonte de leitura deve ter, a intenção é também contemplar o desenho de cada componente da tipografia produzida como um diferencial e desta maneira, intensificar a expressão das formas, fazer com que elas falem por si, e assim, fazer com que receptor/leitor perceba as letras e as traduza através das insinuações retas propositais que consigam iludir o olho humano sem deixar os pré-requisitos da boa fonte de leitura de lado.

3. Objetivos

Atingir ao público em geral que faça uso da escrita para qualquer veículo e que necessite de formas bidimensionais tanto para poder se comunicar quanto para transmitir uma mensagem visual através das possibilidades que a tipografia oferece.

Na maioria dos casos, uma composição tipográfica deve ser especialmente legível e visualmente envolvente, sem desconsiderar o contexto em que é lido e os objetivos da sua publicação. Ao direcionar o objetivo da comunicação escrita para a transmissão fluente de ideias, o texto ainda deve observar padrões de legibilidade adequados ao olho humano. A esses parâmetros de linearidade e conforto de leitura, culturalmente estabelecidos durante séculos, se contrapõem experimentos mais ou menos radicais nos campos editorial e publicitário e nos domínios do web design.

Desta forma, a leitura pode ser dividida em dois momentos: primeiro ocorre a identificação visual da mensagem, com toda a sua idiossincrasia gráfica. Logo após, se houver empatia por parte do leitor, este percorrerá o texto fazendo com que cada ideia capturada seja recebida como uma espécie de prêmio.

Eis aqui um dos pontos para alcançar o objetivo do presente projeto: além do desenvolvimento da tipografia, ela deve ser útil, deve encantar, atrair o leitor, ter características como a durabilidade (ou seja, deve ser produto de um tempo, mas da mesma forma, liga-se à atemporalidade) e paradoxalmente, necessita ter uma áurea quase imaterial, transparente:

Em um mundo repleto de mensagens que ninguém pediu para receber, a tipografia precisa frequentemente chamar a atenção para si própria antes de ser lida. Para que ela seja lida, precisa contudo abdicar da mesma atenção que despertou. A tipografia que tem algo a dizer aspira, portanto, a ser uma espécie de estátua transparente. Outra de suas metas tradicionais é a durabilidade – não uma imunidade à mudança, mas uma clara superioridade em relação à moda. (BRINGHURST, 2005, p.23)

Para alcançar tais objetivos, o uso de referências de tipografias consagradas foi de extrema importância, bem como o estudo de cada elemento que compõem a elaboração de um processo criativo desse porte.

4. Justificativa

4.1 Porque produzir tipografia?

Já vimos na introdução que, desde que o homem conseguiu meios e ferramentas para registrar seu patrimônio cultural até os dias de hoje, as formas de registro mudaram de acordo com as conquistas tecnológicas e com os avanços nos estudos das tipografias. Atualmente, o designer saiu da condição de simples usuário (espectador) das fontes para atuar de forma incisiva e decisiva na construção de tipografias. Esse é um avanço considerável se pensarmos que agora, o profissional que mais precisa deste tipo de recurso é, também, criador deste.

Já que a escrita é artigo de grande importância para a sociedade e cada desenho tipográfico se liga a épocas e a culturas de povos de todo o mundo, a proposta pra se pensar em uma tipografia que reflita em seus contornos o caráter regional (onde e com quais aspectos culturais foi criada) e ao mesmo tempo universal (que consiga ser usada nas mais diversas línguas). Os novos tempos buscam por formas que traduzam nosso período e cada busca aumenta o repertório para se consolidar essa forma. Já é sabido que a tipografia carrega esse caráter paradoxal: conseguir ser a expressão de um tempo, registro de uma cultura, mas ainda assim, dar conta de percorrer o Tempo cronológico, estabelecendo-se e firmando-se senão como referência, mas ao menos como um produto pertencente ao tempo a que foi produzido.

5. Metodologia

A partir do estudo das fontes mais clássicas dos séculos XV e XVI, foram utilizadas as proporções para a base de todo o projeto para a tipografia Saudade.

Depois de aplicadas as regras de proporções da tipografia clássica (linhas de base ascendente e descendente, altura de x e caixa-alta) à ideia que começa a ser esboçada, os roughs começam a tomar forma, tendo como inspiração os constantes exercícios de caligrafia.

A partir de então, o processo continua em meio digital: os ajustes minuciosos dos glifos, o tratamento de cada um deles, o ajuste dos pares (para a harmonia entre os elementos) e a inserção da programação open type para finalização.

Em meio ao processo, foram executados vários testes a fim de obter níveis satisfatórios de legibilidade e leiturabilidade, além de alcançar os objetivos específicos já mencionados no projeto.

6. Desenvolvimento

Para desenvolver a tipografia Saudade e atingir formas orgânicas, foi inserida uma inclinação no eixo na fonte para aumentar o contraste entre o grosso-fino dos caracteres. Para resolver problemas na vetorização (diminuir a rigidez), foi usada leve insinuação de curvas em ângulos retos. A serifa foi aplicada para melhor legibilidade da fonte e também para atender ao objetivo do projeto: ser uma fonte de texto.

Durante o processo, surgiu o nome para a tipografia, que reúne em seu conteúdo o conceito básico pretendido: uma única palavra para designar todas as mudanças de um sentimento, quase exclusivo do vocabulário da língua portuguesa e que se relaciona às línguas românicas e carrega em seu sentido um mito de ser intraduzível.

7. Considerações Finais

A escolha para desenvolver uma fonte tipográfica para leitura é mais que um projeto de graduação. É um desafio, um projeto para a vida toda. Buscando não somente o objetivo já cabível a uma fonte de leitura, a intenção é também contemplar o desenho com sua forma diferencial, com um refinado estilo das formas, seguindo o caminho orgânico e suave das curvas.

Pretende-se ainda dar prosseguimento ao trabalho, desenvolvendo o restante da família e suas variações.

Referências Bibliográficas

  • BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico, versão 3.0, Cosacnaify, 2005.
  • ROCHA, Claudio. Projeto Tipográfico, Análise e produção de fontes digitais, 3ª ed., Coleção textos design Rosari, São Paulo, 2005
  • FRUTIGER, Adrian. Sinais e Símbolos, Desenho, Projeto e significado, Martins Fontes, São Paulo, 2001
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  • Fontes Digitais Brasileiras: de 1989 a 2001, Rosari
  • ROCHA, Claudio. Tipografia comparada, 108 Fontes Clássicas analizadas e comparadas, Coleção Qual é o seu Tipo?, Rosari
  • PERROTTA, Isabella. Tipos e Grafias, Vianna & Mosley, Senac Rio
  • Tipografia Brasilis, Fundação Armando Alvares Penteado
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  • HORCADES, Carlos M.. A Evolução da Escrita, História Ilustrada, Senac Rio
  • FARIAS, Priscila. Tipografia Digital, O Impacto das Novas Tecnologias, 2AB
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  • CHENG, Karen. Designing Type
  • MARTINS, Bruno. Tipografia Popular, Potências do Ilegível na Experiência do Cotidiano, Annablume, Belo Horizonte, 2007

Apresentação do projeto, UEMG unidade Escola de Design.